Auto Retrato

ricardo porto

ator poeta palhaço
perpétuo menino grande
gosta de andar descalço
passeia na roda girante
brincando tudo num dia
depois brota de novo
maroto feito a poesia
que ginga na boca povo

POLIA CARDÍACA

MEU CORAÇÃO É UMA POLIA

MEUS BRAÇOS UMA CORRENTE

DE DIA O DIREITO COMBATE

À NOITE O ESQUERDO POETIZA

Há Poesia *

A POESIA PASSOU POR MIM
COMO UMA MOTO-NIVELADORA
ESTRAÇALHOU-ME OS OSSOS
ESPALHOU MEUS ÓRGÃOS
PELO PASSEIO PÚBLICO
IRRIGOU COM MEU SANGUE
CANTEIROS E AVENIDAS
HOJE ESPALHADO CORPO
TRANSPIRO POR TODAS AS PELES
VEJO POR TODOS OS OLHOS
TREMO POR TODOS OS NERVOS
E VAZO POR TODOS OS POROS
A POESIA PASSOU POR MIM
E ESPALHOU-ME PELAS PESSOAS




* Obrigado e um beijo Maiakóvski

Adjetivos do Coração

CORAÇÃO
INSÓLITO SÚDITO
DE SÚBITO LÚDICO
É PAIXÃO

CORAÇÃO
SUBSTANTIVO CONCRETO
NO INDIVÍDUO DISCRETO
É RAZÃO

CORAÇÃO
PINTADO DE VIDRO *
NUM CORDÃO COLORIDO
É ILUSÃO

CORAÇÃO
INVOLUNTÁRIO SUSPIRO
LICENCIOSO SENTIDO
É INSPIRAÇÃO

CORAÇÃO
COMPASSO QUASE PRECISO
DE ROSAS RISOS E GRITOS
É EMOÇÃO

CORAÇÃO
CONTRAÇÕES COMPROMISSOS
QUE BATE E PULSA INDECISO
É SÓ ISSO

* Um abraço Pessoa

Todo

TODO FEITO DE TRAÇOS
TODO FEITO DE TIRAS
TODO FEITO DE TRAPOS
TODO FEITO DE FITAS
TODO FEITO DE CACOS
TODO FEITO DE RIPAS
TODO FEITO DE LAÇOS
TODO FEITO DE RIMAS
TODO FEITO DE ESPAÇOS
TODO FEITO DE VIGAS
TODO FEITO DE MAÇOS
TODO FEITO DE LIGAS
TODO FEITO EM PEDAÇOS
TODO FEITO EM FATIAS
TODO FEITO DE PLANOS
TODO FEITO DE ESQUINAS
TODO FEITO DE ESPANTO
TODO FEITO DE DIAS
TODO FEITO DE TANTO
TODO FEITO DE VIDA

SABOR E CHEIRO

NÃO ME SERVEM MUSAS
QUE CANTAM ENFEITIÇADAS
E ARRASTAM POETAS
PARA CENÁRIOS INSÓLITOS
DE PERDIDOS CONTINENTES
ONDE VAGAM VAPOROSAS
SOB A SOMBRA DOS PERFUMES
QUERO UMA MULHER INTEIRA
COM SABOR E CHEIRO
E QUE NÃO ME PEÇA
NEM A LUA NEM PASSÁRGADA *
ONDE A GRAVIDADE SE AUSENTA
E OS PRAZERES PASTEURIZADOS
JAZEM NA ROTINA
QUERO UMA MULHER MULHER
COM DESEJOS DEFINIDOS
E AINDA QUE SEJAM INFINITOS
QUE EU A SATISFAÇA
COM O SORRISO SINCERO
DO MEU AMOR HUMILDE
E UM PASSEIO NO CEASA


* Desculpe-me te adoro Bandeira

CREME HOLANDÊS

DEPOIS DE AMAR
ESQUECER O RELÓGIO
DEITAR-SE NO SILÊNCIO
PERDER-SE NO CONFORTO
DE CORPOS INCANDESCENTES
DEPOIS DE AMAR
BRINCAR DE ANJO
E DESCOBRIR CARINHOS
COM DEDOS DE JAZZISTA
EM PELES DE PIANO
DEPOIS DE AMAR
VIRAR SORVETE
E DERRETER-SE
NUM SÓ CREME
MORNO E ROSA
COMO A AURORA
DOCE E MANSO
COMO O MAR

TODA MISTURA

NEM ATOS DE DESAGRAVO
NEM ESMEROS DE VIRTUDE
É RASPA DE COURO RUDE
RECHEIO RARO MASCAVO

VENTO QUE TIRA DO PRUMO
FRUTA SERPENTE CILADA
VEIO DO MEIO DO NADA
E FOGE COM QUASE TUDO

CERCA DE TODAS AS FLORES
TEMPERO TODA MISTURA
É FEITO FEIRA DE RUA
É PRETO E BRANCO É A CORES

NEM BEM NEM MAL É LOUCURA
É SEDE DENTRO DA FONTE
TÃO LONGE COMO O HORIZONTE
NÃO HÁ DISTÂNCIA SEGURA

ZELO

GUARDAREI NO SORRISO
GOSTO DOS TEUS BEIJO
COM TAL FORÇA E TAMANHO ZELO
QUE MEUS SORRISOS SERÃO SÓ TEUS

TEUS BEIJOS TALVEZ OS ÚLTIMOS
GUARDAREI COM TANTA SAUDADE
QUE AO RECORDÁ-LOS SERÃO ÚNICOS
E TORNAR-SE-ÃO OS PRIMEIROS

TEUS OLHOS ESPALHAREI
POR TODAS AS ESTRELAS
BRILHANTES E LONGÍNQUAS
DAS MINHAS NOITES E SONHOS

E ESSE AMOR QUE TENHO POR TI
GUARDAREI EM SEGREDO NO INFINITO
PRÁ NÃO SOFRER COM A MINHA SORTE
PRÁ NÃO MORRER COM A MINHA MORTE

COLCHEIAS DE DETALHES

SE EU SOUBESSE MÚSICA

EU TE FARIA ESCALAS

COM FUSAS SEMI-ÚNICAS

NOTAS INESPERADAS

COM A LINHA MELÓDICA

EU TECERIA A CAMA

PRA ENFEITIÇAR-TE LÚCIDA
NUMA HARMONIA INSANA

SE EU SOUBESSE MÚSICA

SE ME SOBRASSEM NOTAS

SE A PERFEIÇÃO ACÚSTICA

SUPRISSE O QUE ME FALTA

EU TE FARIA ARRANJOS

EM SINFONIAS LÚDICAS

ORQUESTRARIA SONHOS

SE EU SOUBESSE MÚSICA

MAS COMO SOU POETA

MEDIOCRE METAFÓRICO

DESCOMPASSADO ESTETA

NUM SURTO CLAUSTROFÓBICO

ARRISCO UM VERSO TORTO

REGADO À RIMAS RASAS

E AQUI DO CAIS DO PORTO

TE CANTAM MINHAS ASAS

CARTA

ANTES DE MAIS NADA ADMIRO-TE
COMO MULHER DE ESSÊNCIA E FORMA
COMO AMIGA DE SONHO E CISO
E COMO AMANTE QUE MAL CONHEÇO
PELOS MISTÉRIOS QUE AINDA GUARDAS
QUERO-TE TODA
MULHER AMIGA E AMANTE
MÃE IRMÃ E FILHA
DESEJO-TE VESTIDA APENAS DE LUZ
EMPUNHANDO À MÃO ESQUERDA
A CORAGEM DA CERTEZA
E NA DIREITA TEUS CARINHOS
PROCURO-TE NUMA BUSCA INFINITA
COMO O AMOR DE UM POETA *
E SEI ENCONTRAR-TE UM DIA
QUE O CAMINHO PARA TUA ESSÊNCIA
SEJA A NOSSA POESIA



* Um beijo Vina

MARINHEIRO

LEVA DE MIM MEU DESEJO
O CORPO DEIXA BOIAR
POR DENTRO SOU MARINHEIRO
NÃO POSSO NUNCA ANCORAR

ALÉM DO MAR HÁ A TERRA
ALÉM DA TERRA OUTRO MAR
ALÉM DA PAZ HÁ A GUERRA
ALÉM DA GUERRA O SONHAR

LEVA DE MIM MEU SORRISO
O SISO DEIXA FICAR
A VIDA É UM RISCO IMPRECISO
É VELA E VOLTA A VENTAR

ALÉM DO VENTO HÁ A SERRA
ALÉM DA SERRA O LUAR
ALÉM DA LUA DESERTA

HÁ O MURMÚRIO DO MAR

MARIA SEREIA *

CHEIRO DE MAR
VELAS VINHOS E CAIS
BÓIAM DENTRO DE MIM
ROTA ESTRELAR
FARÓIS SINOS SINAIS
E UM PERFUME DE GIM
É ASSIM
SEMPRE ASSIM
VOU PRO MAR
ME ATIRAR
ENTÃO VOLTO E DESEJO
PRAIAS PONTES E BARCOS
ILHAS SOLTAS SEM LASTROS
VENTOS DE TEMPESTADES
TREMO TODO DE SAUDADE
MEU MAR MINHA ESTRELA
MEU REINO CASTELOS DE AREIA
VAZANTE DA LUA CHEIA


*Lembra do papo Jairo valeu

PEQUENOS POEMAS

Toda esta sessão é dedicada a Paulo Leminski





EVINHA

AOS TREZE ERA PURA
AOS QUATORZE UM NAMORADO
AOS QUINZE PRIMEIRO FILHO
AOS DEZESSEIS ERA VIÚVA
AOS DEZESSETE PROSTITUTA
AOS DEZOITO OUTRO FILHO
AOS DEZENOVE ABORTO E SURRA
AOS VINTE CHEGA AO VÍCIO
UM ANO MAIS O SUICÍDIO




POETA NÃO É UM BOBO
QUE CONSTRÓI E ESCONDE
ELE É UM QUE É TODO
ELE PERGUNTA E RESPONDE
- O POETA QUIS DIZER -
HÁ FRASE MAIS INFELIZ ?
CONDENA O COITADO A QUERER
QUANDO O SAFADO SÓ DIZ




AS CORES SECAS DAS PÉTALAS
DECLARAÇÕES GUARDANAPOS
CINZAS DE FOGOS E FESTAS
LAÇOS DE LÁBIOS SELADOS
SÃO POMARES DE POETAS
COM RAÍZES DE FORÇADOS
DEITO FORA O QUE NÃO PRESTA
DETESTO RESTOS GUARDADOS
NEM QUE A PREGUIÇA ME PEÇA
NEM QUE ME FORCE O ACASO
PONHO DE VOLTA À CAIXA
FÓSFOROS VELHOS RISCADOS

A POESIA NÃO CABE NA MÃO
ELA CHEGA SEMPRE SURPRESA
PEDE LICENÇA AOS OLHOS
E EXPLODE DENTRO DA GENTE




A VIDA NÃO É MOLE
A VIDA NÃO É DURA
NEM TÃO POUCO ILUDE
NEM TÃO POUCO É PURA
ELA NÃO É BRINCADEIRA
NEM TEM A CARA SISUDA
É SÉRIA SINCERA SEREIA
SEMENTE MUDA FUTURA
A VIDA NÃO É PRECISA
POIS A MAIS LINDA SENHORA
SE UM DIA QUISESSE SER COISA
VIRIA DO LADO DE FORA

POR CIMA TUDO É TÃO CERTO
AS LEIS LIÇÕES E RAZÕES
ATOS FATOS TRAÇOS CONCRETOS
SEGUIDOS SEGUEM SEM ILUSÕES
A SÓS NÃO SOMOS TÃO SANTOS
A SOMBRA ESCONDE SEGREDOS
E OLHOS QUASE SEMPRE SONHANDO
NOS LEVAM A LEVADOS DESEJOS
SERÁ TÃO CERTA A CERTEZA ?
SERÁ PRECISO O CASTIGO ?
SERÁ TÃO POUCA A SURPRESA ?
SER MOCINHO OU BANDIDO

PENSEI UMA COISA
QUIS ESCREVER OUTRA
COMECEI O QUE NEM IMAGINAVA
E TERMINEI DIZENDO NADA

HÁ NO PERFUME DA ROSA
UM INDIZÍVEL CARINHO
COMO A PRESENÇA OCIOSA
DA PONTA AGUDA DO ESPINHO

NÃO É O TIRO QUE PERFURA O PEITO
NEM O FIO DE NAVALHA QUE O CORTA
POR MAIS QUE ESTE IMPRIMAM O JEITO
A MORTE ESTÁ NO ATO QUE OS TRANSPORTA

MESMO QUE O DIA NÃO CRESÇA
E A VIDA CAMINHE EM HORAS
NESTA SAUDADE ÀS AVESSAS
CHEIRO DO PÃO DE AGORA
PREENCHE O ESPAÇO DA ALMA
QUE UM COLO CALA E ACALMA




TENHO UM CORPO IMENSO
QUE PESA MAIS QUE A CONSCIÊNCIA
MÃOS E PERNAS DESCOMPASSADAS
QUE NÃO RIMAM NEM DANÇAM
MAS AO TEU LADO FLUTUO
COMO UM BAILARINO RUSSO
VIRO BEIJA-FLOR
E SÓ VEJO NÉCTAR
NOS TEUS LÁBIOS




QUERO PROVAR CONTIGO
A DROGA MAIS PODEROSA
DO VÍCIO MAIS PRAZEIROSO
NO RUMO MAIS IMPRECISO
DE VELAS SOLTAS AO VENTO
VINDO DOS LÁBIOS DE DEUS



**


É MADRUGADA
UM GALO CANTA
ACORDANDO OUTRO
PÁSSAROS CANTAM
ACORDANDO A PRAÇA
UMA JANELA ACENDE
OUTRA JANELA APAGA
UMA ACENDE E APAGA
É MADRUGADA
E A VIDA PASSA
COMO A JANELA QUE ACENDE
COMO A JANELA QUE APAGA

** Um brinde e um abraço Pessoa

MEUS BRAÇOS SÃO A CORRENTE
MEU CORAÇÃO UMA POLIA
DE DIA O DIREITO COMBATE
A NOITE O ESQUERDO POETIZA

DEUS ME DISSE
MUITO AFLITO
QUE ELE SÓ ERA
O LIVRE ARBÍTRIO




EU ACHO GRAÇA EM TUDO
EU BEBO A POESIA DO NADA
SOU GATO ENCIMA DO MURO
E UM BÊBADO PELA CALÇADA

* Um beijo um abraço e obrigado Paulo Leminski

Sonho

QUANDO O HOMEM
ESTÁ CANSADO
FINDA O DIA
A PARTE ATIVA
DO OUTRO LADO
DO SEU TODO
SEM CONTRATO
SEM CONTORNO
SEM FADIGA
SAI COMPONDO
ALEGRO ANDANTE
ALEGORIA
DO UNIVERSO
SUBMERSO
DIA A DIA

MAS QUANDO ELE
NO SEU CORPO
JÁ DESPERTO
TEM SEU PESO
CESSA O VÔO
JÁ É DIA
DESTE LADO
O MESMO TODO
EM ESTADO DE VIGÍLIA
É SÓ CONTRATO
É SÓ CONTORNO
É SÓ FADIGA
DIA A DIA

INSPIRADO NO ENSAIO SOBRE O SONHO
DE JOSEPH ADDISON
ENCONTRADO NO LIVRO DO SONHO
DE JORGE LUÍS BORGES

PASSAR

POR ENTRELINHAS VAZIAS
PELOS PECADOS PENDENTES
NEM FURACÕES CALMARIAS
RASPAR A DOR E O DELEITE
TRILHA DE TÉDIO SEM CURVAS
SOBRE UM TAPETE RUGOSO
SEM PRESSA PESO OU LOUCURA
SECAR NO PRANTO E NO GOZO
SEM RUMO OU RODAMOINHO
SEM LEIS NEM REIS NENHUM SANTO
NUM CANTO QUIETO CAMINHO
COM PASSOS CURTOS RIMANDO
SEM REGRAS DURAS PARTIDAS
NUM JOGO SUJO DE ENCANTOS
SEM PAR SEM CARTAS SEM FICHAS
PASSAR A VIDA PASSANDO

VORAGEM

DEIXO QUE PELES E PELOS
EM VIAS DE SE RACHAREM
ME EMBRIAGUEM DE DESEJOS
EXCITADOS DE CORAGEM

TIRO O PESO QUE NÃO PRESTA
ABRO AS FRONTEIRAS DO CORPO
ACENDO LUZES PRA FESTA
ARDO-ME EM BRASAS DE OURO

VENHAM-ME VÍCIOS GUARDADOS
COM SEUS SABORES SORTIDOS
CAIAM-ME ANJOS SAFADOS
SOBREPUJANTES PERIGOS

DANEM-SE TODAS AS TOGAS
DANEM-SE TODOS OS MODOS
DANEM-SE TODOS OS DOGMAS
DANEM-SE TODOS OS SANTOS

SIGO SINAIS MARINHEIRO
DE DEUSES FEITOS NA CAMA
AMAR É RASGAR-SE INTEIRO

E GOZAR POR ONDE SANGRA

BAHIA

*

AS VEZES ME DÁ VONTADE
DE DEIXAR TUDO DE LADO
E ME MANDAR PRÁ BAHIA
CONHECER AS LINDAS PRAIAS
QUE SÓ CONHEÇO DE REVISTA
E VÔOS DE PENSAMENTO

QUERO AS ONDAS SE QUEBRANDO
QUERO O VENTO NO MEU ROSTO
QUERO SUBIR NUM COQUEIRO
PRA BEBER ÁGUA DE COCO
QUERO ESQUECER A DESGRAÇA
E VIVER DE CALMARIA

MAS SE UM DIA EU ME ENJOAR
DE GOZAR TANTAS DELÍCIAS
NÃO VOU VOLTAR PRÁ CIDADE
NÃO VOU DEIXAR A BAHIA
VOU ESPERAR O SOL SE POR
E NADAR AO SEU ENCONTRO


* Obrigado Caymmi zilhões de beijos

UM DESSES TANTOS

SOU UM DESSES TANTOS FAMINTOS
UM DESSES TANTOS CALADOS
UM DESSES TANTOS BANDIDOS
UM DESSES TANTOS PALHAÇOS
UM DESSES TANTOS PERDIDOS
UM DESSES TANTOS FRACASSOS
SOU UM DESSES TANTOS AUSENTES
UM DESSES TANTOS FERIDOS
UM DESSES TANTOS SERVENTES
UM DESSES TANTOS DOÍDOS
UM DESSES TANTOS FREQUENTES
UM DESSES TANTOS BANIDOS
SOU UM DESSES TANTOS SAFADOS
UM DESSES TANTOS BEM-VINDOS
UM DESSES TANTOS BEM PAGOS
UM DESSES TANTOS SERVIDOS
UM DESSES TANTOS ACHADOS
UM DESSES TANTOS SORTIDOS
SOU UM DESSES TANTOS SEM SONO
UM DESSES TANTOS SEM ASAS
UM DESSES TANTOS SEM DONO
UM DESSES TANTOS SEM CASAS
UM DESSES TANTOS SEM RUMO
UM DESSES TANTOS SEM CARA
SOU UM DESSES TANTOS NO MUNDO

NESTAS HORAS

NESTAS HORAS PELAS RUAS
APENAS GESTOS E GRITOS
APENAS MINGUANTES MENDIGOS
APENAS PROMESSAS DE CHUVA
NESTAS HORAS PELAS RUAS
APENAS GATOS ARISCOS
APENAS RASTROS DE LIXO
APENAS POÇAS DE LUA
NESTAS HORAS PELAS RUAS
APENAS DONAS DA VIDA
APENAS DORES SORTIDAS
APENAS RISCOS E RUGAS
NESTAS HORAS PELAS RUAS
APENAS PRECES CALADAS
APENAS PORTAS FECHADAS
APENAS LÁGRIMAS CRUAS
NESTAS HORAS PELAS RUAS
APENAS PRESÉPIOS NOTURNOS
APENAS ANÉIS DE SATURNO
APENAS PENAS E PLUMAS
NESTAS HORAS PELAS RUAS
APENAS O PÃO MAL COMIDO
APENAS O CHÃO MAL DORMIDO
APENAS SOBRAS E DURAS
NESTAS HORAS PELAS RUAS

COISAS

GOSTO DE COISAS MAL FEITAS
SEM SOTAQUE DE MAQUINTOCHI
SEM O BRILHO DE MERCEDES
SEM SABORES DE FUAGRÁ

GOSTO DE COISAS MAL FEITAS
DESSAS CHEIAS DE DEDOS
PEÇAS COM CHEIRO DE GENTE
PEDAÇOS SEMPRE PRESENTES

GOSTO DE COISAS MAL FEITAS
FEITO UNS SEIOS ESTRÁBICOS
GUARDANDO SONHOS MOLHADOS
DE CORPOS PERDIDOS NO ESPAÇO

GOSTO DE COISAS MAL FEITAS
DESSAS QUE NOS CONTAMINAM
DESSAS QUE CONTAM CAMINHOS
PEÇAS DE TRENS SOBRE TRILHOS



- AS MÁQUINAS SÃO PERFEITAS
NÃO PORQUE NÃO PENSAM
MAS PORQUE NÃO SENTEM -

GOSTO

GOSTO DE SER A PIADA
GOSTO DE CRER NO PERIGO
GOSTO DE SER A VIDRAÇA
GOSTO DE TER INIMIGOS

TUDO É SONO OU É FOME
TUDO COMEÇA E TERMINA
O FEITO PERFEITO DORME
O TORTO NASCE NA ESQUINA

GOSTO DE COISA MAL FEITA
GOSTO DE GENTE SAFADA
GOSTO DA CURVA RIBEIRA *
GOSTO DO PÉ PELA ESTRADA *

TUDO NO MUNDO É MIRAGEM
SONHO DE SONHOS E MEDOS
DEPOIS DO GOZO PASSAGEM
DEJETOS SOBRE OS DESEJOS





* Obrigado Tom

SEM EIRA NEM BEIRA

SOU SEM QUERER POR ACASO

NÃO ME PROCURO NEM ACHO

SOU MEU DELEITE INDECENTE

ESTRELA QUASE ASCENDENTE

SOU SIMPLISMENTE SEM TETO

ME CABE O SOL E A LUA

SEMPRE UM MOLEQUE DE RUA

NÃO QUERO ERRADO NEM CERTO

NÃO TENHO O GOSTO DA FRUTA

REPRODUZIDA EM ESTUFA

SOU A LARANJA MADURA

QUE O MARIMBONDO PROCURA*

VIVO SEM EIRA NEM BEIRA

QUERO QUERER SIMPLESMENTE

SEGUIR SEM SINAL SEM PATENTE

SÓ MUMA REDE OU ESTEIRA

E SE ALGÉM ME OFERECE

VIVER SEM FORÇA NENHUMA

AMOR PRESTÍGIO FORTUNA

SÓ PRA REZAR SUA PRECE

VIRO BOTO INTELIGENTE

ME DESVENCILHO DO ANZOL

DIGO NUM DESCASO DESPLICENTE

"SAI DA FRENTE DO MEU SOL"**

NÃO SEI QUEM COMPÔS LARANJA MADURA, MAS OBRIGADO*

TAMBÉM NÃO SEI QUAL O FILÓSOFO, MAS TE PROCURO**

CAMINHO TRANÇADO

NÃO QUERO QUE TIRES NADA
DESTE ACIDENTE CONSTANTE
SOU SÓ UM ÉBRIO VAZANTE
SORVIDO PELA CALÇADA

DEIXEI NO VASO O TROCADO
BEBI MEU ÚLTIMO BONDE
VOLTO SEI LÁ PARA ONDE
SIGO UM CAMINHO TRANÇADO

SOLTA TEU NÓ DA GRAVATA
E PÕE DE NOVO NO BOLSO
ESSE MIÚDO CONSOLO

DESTE TEU GESTO GIGANTE
SOU SÓ UM ÉBRIO VAZANTE
SORVIDO PELA CALÇADA

DEIXA PRÁ LÁ

DEIXA PRÁ LÁ A PERNA QUE PERDESTE
NUMA GUERRA QUE ENTERROU SEU SORRISO
AS MÃOS ERAM TUAS NÃO O DESEJO
ERA O TEU SANGUE MAS DEIXA PRÁ LÁ

DEIXA PRÁ LÁ AS FLORES DO JARDIM
A ÁRVORE DE NATAL E A CIDADE
ESQUECE ENFIM DE TUDO QUE TU DESTE
E SE SÓ DESTE AMOR DEIXA PRÁ LÁ

DEIXA PRÁ LÁ AS NOITES QUE VARASTE
NOS COPOS QUE BEBESTE E QUEBRASTE
BUSCANDO NESTE ESPAÇO A POESIA

DEIXA PRÁ LÁ O VÔO QUE NÃO DESTE
DEIXA PRÁ LÁ AS ASAS QUE ATROFIAM
SE ASSIM TE SABE BEM DEIXA PRÁ LÁ

RUAS ESCURAS

PELAS RUAS ESCURAS QUASE NUAS
DANÇARINAS DOIDAS DE DOIDAS LUAS
MEIO MÃE MEIO FILHAS MEIO FRUTAS
DESFILAM SOBRE SALTOS PROSTITUTAS

SERVEM DE ALVOS PARA OS OLHOS CASTOS
PARA IMPRUDENTES DESPEJO DE LASTROS
COM O GEMIDO SECO DO GOZO FALSO
SERVEM DE SOPRO PARA O FOGO-FÁTUO

RECEBEM POR SEREM CORPOS MERCADOS
PRESENTES FEITO OS ENFEITES BARATOS
CARINHOS AZUIS DE DEDOS GELADOS

E FINDAM NO RÉS DO CHÃO O NO CUME
PELO VÍCIO POR AMOR OU VIRTUDE
NO PRAZER DO AVESSO DE UM ANJO IMPUNE

CRUÉIS MARGARIDAS

PINTADAS MENINAS DA VIDA
DE CARNES E CURVAS PROVIDAS
OS OLHOS INCHADOS DE SUSTO
PRECOCES NO TRATO E NO CUSTO

FORÇADAS AO SOL DAS SALINAS
MENINAS APENAS MENINAS
CRIADAS SEM SONHO SEM SINA
FLORESCEM FIÉIS ÀS ESQUINAS

FLORES FIÉIS FRUTAS LASCIVAS
AOS VENTOS OUTONAM PASSIVAS
E SECAM EM CAMPOS ARADOS

CALAM SUSPIROS SONHOS VELADOS
SEUS OLHOS CORTINAS PUÍDAS
DESFIBRAM CRUÉIS MARGARIDAS

VEM

VEM NO VENTO CONTRA VONTADE
O CHEIRO SAUDADES INCERTAS
O CHORO DO MAR TEMPESTADE
JANELAS E PORTAS ABERTAS

VEM NO FRIO CERTO DO INVERNO
O SONO FORÇADO DAS FERAS
CARINHOS CAMINHOS SECRETOS
PROMESSAS FIÉIS PRIMAVERAS

VEM DO FUNDO SECO DO POÇO
A ÚLTIMA TRÉGUA DA TERRA
O BEIJO A PROCURA DO GOSTO
O GOZO FINAL DA ESPERA

VEM NAS MESMAS CAMAS ESTREITAS
NO QUARTO CRESCENTE DA LUA
O CIO SEM NOME DAS FREIRAS
CIO CIGANO DAS PUTAS

VORAGEM

DEIXO QUE PELES E PELOS
EM VIAS DE SE RACHAREM
ME EMBRIAGUEM DE DESEJOS
EXCITADOS DE CORAGEM

TIRO O PESO QUE NÃO PRESTA
ABRO AS FRONTEIRAS DO CORPO
ACENDO LUZES PRÁ FESTA
ARDO-ME EM BRASAS DE OURO

VENHAM-ME VÍCIOS GUARDADOS
COM SEUS SABORES SORTIDOS
CAIAM-ME ANJOS SAFADOS
SOBREPUJANTES PERIGOS

DANEM-SE TODAS AS TOGAS
DANEM-SE TODOS OS MODOS
DANEM-SE TODOS OS DOGMAS
DANEM-SE TODOS OS SANTOS

SIGO SINAIS MARINHEIRO
DE DEUSES FEITOS NA CAMA
AMAR É RASGAR-SE INTEIRO
E GOZAR POR ONDE SANGRA

FRÁGIL E DELICADO

FRÁGIL E DELICADO
COMO UM ÔNIBUS URBANO
CORAÇÃO DESCOMPASSADO
ENVIESADO POR ENGANO
VÊ MARIA QUE SORRIA
UM SORRISO ENFEITIÇADO
TRANSBORDANDO POESIA
DE UM JOSÉ APAIXONADO

FRÁGIL E DELICADO
COMO ESTOURO DE BOIADA
UM POETA APOSENTADO
BISCATEIRO DE EMPREITADA
PÕE NUM VERSO IMPROVISADO
COM SUOR DO DIA A DIA
SEU SORRISO DESDENTADO
E SEUS PÉS DE ROMARIA

FRÁGIL E DELICADO
COMO O FIO DE UMA NAVALHA
O DESTINO DESGRAÇADO
MOSTRA FRIA A SUA CARA
POIS MARIA MUITO ESPERTA
EM SEU SORRISO INTERESSEIRO
NÃO SE ENTREGA A TAL POETA
E DÁ SOMENTE POR DINHEIRO

FRÁGIL E DELICADO
COMO VELHA ARTILHARIA
O DESEJO REJEITADO
VÊ NA ORQUÍDEA A PARASITA
UM OLHAR MAIS AFIADO
CEIFA E SEGA A FANTASIA
SAI JOSÉ TRISTE E CALADO

- VIDA VERSOS POESIA -

DOCE DESORDEM *

DOCE DESORDEM
PRISMA DAS CORES
DESPERTA O DESEJO
ESPALHA O ENCANTO
DOCE DESORDEM
SERENAS FLORES
DOCE VENENO
DÁ-ME O DESCANSO
RASTRO RIBEIRO
FRUTOS DO CAMPO
EMPRESTA TEU CHEIRO
PERFUMA MEU CANTO
EM TUA BOCA
DOCE DESORDEM
VONTADE LOUCA
LOUCA VIAGEM
VEIA PROFANA
DÁ-ME O SORRISO
ONDE TUDO DESANDA
E ME LEVA CONTIGO


* Mais uma Jairo, Um beijão Rots

ORA SÃO

MEU CORAÇÃO
ORA SÃO
EM ORAÇÃO
SE CALA
ORA DOIDO
BEIJA-FLOR AFOITO
DE PAIXÃO
DISPARA
MEU CORAÇÃO
ORA SÃO
POÇO DE PERDÃO
TRANSBORDA
ORA TENSO
SAUDADE SUSPENSO
CHORA
MEU CORAÇÃO
ORA SÃO
PERMITE-ME UM FUTURO
ORA PURO
É UM QUINTAL SEM MURO

SALTA NO ESCURO

SOU BRASILEIRO

SOU BRASILEIRO
SOU BRASILEIRO
FEITO DE BARRO MESTIÇO
PISADO A PÉS DE VINHO
MOLDADO À MÃO DE FLEXAS
E TEMPERADO NO CALOR DO QUILOMBO
DEI NISSO SÓ ISSO
MEIO ESCRAVO ARISCO
MEIO TRABALHADOR
MEIO ÉBRIO DE BERÇO
MEIO CABLOCO MEIO DOUTOR
E DE TANTO MEIO SOU DOIS
SOU BRASILEIRO
SOU BRASILEIRO
ABRO ESTRADAS GIRO USINAS
PUXO TRENS E SUBO CASAS
SOU A MÃO GROSSA DA ENXADA
PICANDO FUMO DE CORDA
PASSANDO O TEMPO NAS CARTAS
TIRANDO PASSARINHOS DA VIOLA
SOU A MISTURA DE DOR E DELÍCIA
NUM CORPO FRANZINO COM ASAS

SOU BRASILEIRO
SOU BRASILEIRO
EU SOU O NOÉ DOS RETIRANTES
EU SOU O CEGO VIDENTE
O MAIS FAMOSO INDIGENTE
DOS MENDIGOS O MAIS ELEGANTE
E DOS BOBOS O MAIS INTRIGANTE
SOU BRASILEIRO
SOU BRASILEIRO

PORQUE DESDE PEQUENO

SOU GRANDE

P S:

SOU UM SOLDADO CONTENTE
NO FIM DE UMA GUERRA VAZIA
PERDI O POSTO E A PATENTE
MAS ME SOBROU POESIA



DEDICO ESTE TRABALHO A TODOS QUEABREM AS PORTAS À POESIA

POLIA CARDÍACA

PELOS CAMINHOS DO DIA
PELAS CALÇADAS DESCALÇAS *
PELAS ESTREITAS SUBIDAS
PELO CAFÉ E CACHAÇA

SORRIA

PELAS AUGUSTAS MARIAS
PELAS PROMESSAS DE LUTA
PELOS CRIANÇAS FRANQUIAS
PELOS EXEMPLOS DA RUA

SORRIA

PELAS VERDADES PERDIDAS
PELOS AVESSOS MARCADOS
PELAS PORÇÕES DIVIDIDAS
PELO PEQUENO ORDENADO

SORRIA

PELAS FRONTEIRAS ERGUIDAS
PELOS SECRETOS DESEJOS
PELO PROTESTO E MALÍCIA
PELO CAMINHO DOS PELOS

SORRIA

PELOS SINAIS DO POENTE
PELAS PAREDES DA VIDA
PELO CANSAÇO CONTENTE
PELAS ESTRELAS VADIAS

SORRIA

PELOS PECADOS CONTIDOS
PELA FOLIA TARDIA
PELOS PRAZERES PROVIDOS
PELA POLIA CARDÍACA

SORRIA

PELO SERENO IMINENTE
PELAS CADEIRAS VAZIAS
PELAS AURORAS LATENTES
PELOS CAMINHOS DO DIA

SORRIA

*Um grande e forte abraço Zé Mauro

FIM

CALMA MENINO GRANDE
DEIXA ESSA RODA GIGANTE
A NOITE TE DIZ BOM DIA
SE ALGUÉM SOB A ABOBADA CELESTE
PERGUNTAR PELO QUE FIZESTE
DIGA APENAS - POESIA -

EXTRAS

NOSSA CANÇÃO



NOSSA CANÇÃO
FOI EM VÃO
NÃO SAIU DO PAPEL
NÃO PASSOU DE UM REFRÃO
FOI OUTONO NO CÉU
FOLHAS SECAS NO CHÃO
O ENCONTRO O ACASO A ESQUINA
A RIMA DA CONTRAMÃO
FORSANDO FALSA HARMONIA
REGIDOS NA SOLIDÃO
SEM GOSTO UM BEIJO AFOGADO
COLANDO CORPOS DISTANTES

MARCOU O CONSTANTE COMPASSO
NA LUZ DA LUA MINGUANTE
TROCAMOS CARINHOS CANSADOS
TRINCAMOS CORPOS DE VIDRO
DANÇANDO DISCOS RISCADOS
SÓ REPETINDO IMPROVISOS
ASSIM DESPERTAMOS CALADOS
MEDINDO O TEMPO PERDIDO

E NO ESPELHO EMBAÇADO

OS SONHOS DESCOLORIDOS





NÃO ME AME


NÃO ME AME EU NÃO MEREÇO
SOU VERSO VIRANDO VENTO
ANJO SONHANDO DO AVESSO
NUVEM QUE ESCONDE O BOM TEMPO

MINHA CASA É A ESTRADA
MEU CORAÇÃO EU INVENTO
SOU PEDRA PESANDO NADA
NADA QUE TRAZ MOVIMENTO

FEITO DE MAR E DE TERRA
BARRO SALGADO SEM PREÇO
NA SELVA FICO NA ESPERA
SÓ NO DESERTO FLOREÇO

TENHO UM TRONCO TRANSPARENTE
E RAIZ NO FIRMAMENTO
PROCURO POR ACIDENTE
MEU DESTINO EXPERIMENTO

DESCONHEÇO O QUE ME CHAMA
SE É TORMENTO OU ENCANTO
SEI QUE A DELÍCIA DESANDA
E MANDA SEGUIR ARANDO

QUE FRUTOS FARÃO SEMENTES ?
EM QUE TERRA REVOLVIDA ?
QUE ME IMPORTA ? OLHO A FRENTE
SOU MEU PONTO DE PARTIDA






CAMALEÃO


ONDE ME BRILHA ALEGRIA
SOU ARCO-ÍRIS E FESTA
TEUS OLHOS SEM FANTASIA
ME SOPRAM CINZAS DE INVEJA
SE HÁ LUA A NOITE EU FLORESÇO
TRANSPIRO AMOR E DESEJO
TEU CORPO FEITO DE GESSO
SÓ ME CONCEDE O DESPREZO
QUANDO O INVERNO ME INVADE
E A CHUVA CHORA COMIGO
TEU COLO QUIETO E COVARDE
INDA ME PÕE DE CASTIGO
NÃO SEI O QUE ME ACONTECE
NÃO SEI POR QUE TE MEREÇO
TE PEÇO DIA ANOITECES
CAMALEÃO DOS AVESSOS





GRITO



MEU GRITO É TORTO SEM ECO
VEM DO LODO DA LOUCURA
DO FLAGELADO DESPERTO
NO EXTREMO DA TORTURA

MEU GRITO É CEGO É INCERTO
SEM CONTORNO SEM ESPELHO
ABORTO RESTO DE INCESTO
RASGANDO UM RASTRO VERMELHO

MEU GRITO É MUDO AFOGADO
RECÉM NASCIDO DESERTO
ETERNO RESSUCITADO
QUE MORRE AO SER DESCOBERTO

MEU GRITO GRITO DE ALERTA
NA NOITE QUANDO ESCURÇO
E VAZO DA MINHA CELA
AO VAZIO EM QUE ESTOU PRESO






AMOR MAL VISTO



MEU AMOR MAL VISTO MALDITO
SEM TERNO SEM SEQUER GRAVATA
BROTA NOS VERSOS QUE ME DISPO
INQUIETA A QUIETA MADRUGADA

É AMOR DE BICHO DE RUA
QUE A LUA EXCITA AUMENTA O RISCO
TIRA-ME O PELO E A COMPOSTURA
ATRÁS DE RESTO AMOR MENDIGO

DE QUE SEMENTE QUE ME NASCE
E FLORE AMOR QUE É MAIS CASTIGO
QUE É FERRO EM BRASA QUE ME INVADE
E ARDE AD-ETERNO INFINITO

QUE DOR É ESSA SEM CANSAÇO
QUE AMOR É ESSE AMOR DE MARTIR
QUE PREFERE VER-ME AOS PEDAÇOS
A DEIXAR PARTIR QUEM ME PARTE

O MEDO DA FOME


O MEDO DA FOME
DÁ FOME DÁ SEDE DÁ SONO
DÁ SONHO SEM NOME
DÁ HOMEM SEM DONO
DÁ RUMO SEM ONDE
DÁ PONTE SEM PRUMO
ESCONDE O HORIZONTE
NA NOITE SEM TURNO
EM TORNO DA FONTE
É A MORTE NO MURO
NO ESCURO DO FRONTE
O MEDO DA FOME
DÁ CHUTE DÁ SOCO
DÁ OLHOS QUE SOMEM
DÁ COMO SEM FOME
A FOME SEM COMO
A FOME SEM COMO
DÁ COMO SEM FOME
CONSOME O CONSOLO
NO RESTO DE HOMEM
REGADO DE ESGOTO
ARADO A ESPINHO
A FOME SEM COMO
É MÓ DE MOINHO
MOENDO O DESGOSTO
DESGASTA O CAMINHO
NO FUNDO DO POÇO
ABRE UM REDEMOINHO




TERCEIRO MUNDO


FUTURO FRUTO
NOVA SEMENTE
TODA FARTURA
DAS PROFECIAS
ANJOS ARCANJOS
ATORES SANTOS
EM POSSESSÕES
DE POESIA
EM PROCISSÕES
DE FANTASIAS
ENTRE O SAGRADO
E O PROFANO
TODO MISTÉRIO
TODA MISTURA
TODA PALAVRA
TODO SILÊNCIO
TERCEIRO MUNDO
TERCEIRO MILÊNIO

NO LODAÇAL DO MACADAME

FINGIDO SANTO OU FALSO NOBRE
UM TROVADOR SEM POESIA
VAGUEI NUM CÉU SEM HORIZONTES
EM TAÇAS FUMO E FANTASIA
SEM DULCINÉIAS OU MOINHOS
MEUS PASSOS RODAVAM COMPASSOS
NEM O RIGOR NEM DESALINHO
DEIXEI OS DESEJOS NO ESPAÇO
PERDI O SONO VEIO A FOME
ANDEI SEM NOME E SOBRENOME
VIREI APENAS UM PASSANTE
NO LODAÇAL DO MACADAME
NO LODAÇAL DO MACADAME
EU ACORDEI CHEIRANDO A GENTE
ABOCA SABENDO O QUE É SEDE
NAS PELES ARDENTES DE FEBRE
O CORPO SABENDO O QUE É FOME
NO GOZO SUOR ACRE-DOCE
O BRILHO NÃO BRINDA ESTA SORTE
A FAMA É UMA AUREOLA DE ARAME
QUE A VIDA NÃO PASSA PRÁ MORTE
NIVELAM-SE O SANTO E O INFAME
NO LODAÇAL DO MACADAME






SEGREDOS A SECO



SEM SONO SEM DÓ E SEM MEDO
MEUS OLHOS NAVALHA SEM CORTE
DISSECAM SEGREDOS A SECO
ISENTOS DE AZAR OU DE SORTE
PENETRAM NOS FORTES E TORRES
DESFIBRAM AS MAIS FINAS POMPAS
PERTURBAM A POSE DOS NOBRES
DISPENSAM GRACEJOS E HONRAS
MEUS OLHOS CRUÉIS MENSAGEIROS
NÃO MENTEM NEM PEDEM PASSAGEM
SE ARRASTAM CEIFANDO CANTEIROS
CRIANDO AGRESTES IMAGENS
DESPIDOS DE COURO MAIS FORTE
MEUS OLHOS ME RASGAM CARINHOS
ME JOGAM SEM SUL E SEM NORTE
NO CENTRO DE UM RODAMOINHO
MAIS SIGO CRAVADO DE ESPINHOS
ERGUIDO NUM TRONCO MAIS SECO
SEM OLHOS QUE SIRVAM DE ESPELHO
SEM SONO SEM DÓ E SEM MEDO






SONHO DE ÍNDIO*



O VENTO GIROU A TERRA
A TERRA GEROU A FLOR
QUE GERAR NÃO PODIA
MUDAS IMÓVEIS MUDAS
INQUIETAS MUDAS
MUDAS MAIS NADA
O VENTO GIROU A TERRA
A TERRA GEROU BEIJA-FLOR
QUE BEIJAR NÃO PODIA
FRÁGIL RISCO TÃO FINO
DELICADO DESTINO
QUE SEM BEIJOS SECAVA
O VENTO GIROU A LUZ
E GIROU-SE GERANDO
CIRANDAS DE CORES
CAIRAM NA TERRA
POUSARAM NAS PENAS
CHOVERAM NAS FLORES
DE BEIJOS EM BEIJOS
DE FLORES EM FLORES
TOCARAM A SEIVA
CRUZARAM-SE CORES
COLIBRÍS BEIJA-FLORES


* INSPIRADA NA MITOLOGIA NHAMBIQUARA